domingo, 26 de setembro de 2010

Porto e Vila Olímpica

Porto e Vila Olímpica
Felipe Góes e Washington Fajardo

publicado no O Globo, 25/09/2010

Os Jogos Olímpicos de 2016 representam uma oportunidade única de transformação da cidade. Cabe a cidade capturar a oportunidade e extrair dela o máximo.
Um dos aspectos do projeto olímpico que merece atenção é a construção das vilas olímpicas. As vilas são as residências temporárias dos atletas, dos profissionais da mídia e dos árbitros. Serão 12 a 15 mil novas unidades residenciais construídas na cidade. Algo como 30 mil quartos. Durante os Jogos, essas residências serão operadas como grandes hotéis. Após os Jogos, serão vendidas como unidades residenciais.
Dezenas de prédios passarão a integrar a estrutura urbana da cidade. Portanto, cabe refletirmos sobre algumas questões. Onde serão construídas? Como serão ocupadas após os Jogos? Que aspectos arquitetônicos devem evidenciar? Quais requerimentos ambientais devem ser obedecidos? Que qualidade urbana e paisagística devem criar?
Barcelona levou a Vila dos Atletas para a área portuária como uma forma de revitalizá-la e integrá-la à cidade, iniciando um processo continuado de inovação urbanística que promoveu a completa recuperação de uma frente marítima de cerca de 6 km, quase a orla de Copacabana e Ipanema somadas. Vancouver desenvolveu um complexo urbano de baixo impacto ambiental com uma grande variedade de tipologias arquitetônicas e usos misturados: residencial, serviços e comércio. Londres minimizou os investimentos nas vilas, construindo apenas a vila dos atletas e alocando árbitros e profissionais da mídia nos hotéis da cidade. Londres conta com 90 mil quartos de hotéis, contra 29 mil no Rio. Nós não poderemos abrir mão das vilas de mídia e árbitros.
Todos estes exemplos dão-se em parcelas degradadas de uma cidade existente que se promove ao futuro com inovações urbanas e ambientais, nas quais o protagonismo da arquitetura é decisivo.
O projeto vencedor da candidatura Rio 2016 definiu que a região da Barra e Jacarepaguá concentraria, no entorno do autódromo, a quase totalidade dos quartos a serem construídos.  Funcionou para ganharmos a candidatura, mas funciona para a cidade no longo prazo? Definitivamente não.
Como aponta o Plano Diretor em discussão na Câmara Municipal, a região da Barra não requer incentivos por parte do poder público para crescer. Ao contrário, a Barra cresce mais rápido do que a infra-estrutura necessária para suportar a sua ocupação urbana.
Por isso, a Prefeitura do Rio, com o apoio do Comitê Organizador Rio 2016, fez um pleito ao Comitê Olímpico Internacional (COI) para a transferência de uma parcela dessas construções para a Região Portuária. A lógica é levar este importante legado para a região central com baixíssima densidade populacional - em cerca de 5 milhões de metros quadrados, vivem somente cerca de 20 mil pessoas. Esta área necessita, aí sim, de incentivos para a sua revitalização, previstos no âmbito do projeto Porto Maravilha.
A decisão do COI foi a de aprovar que 10 mil quartos sejam localizados no porto e que os quartos remanescentes da vila de mídia na Barra possam ser parcialmente substituídos por quartos de hotéis. Assim, será possível reduzir a pressão imobiliária na Barra, parte pela transferência de quartos para a região portuária, parte pela construção de hotéis.
A vila olímpica na Região Portuária será concebida e selecionada através de concurso público nacional de arquitetura e urbanismo, a ser conduzido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil nos próximos meses. O concurso permitirá a participação democrática dos arquitetos brasileiros na construção de uma nova referência urbanística no centro, no centenário do porto do Rio.
A vila olímpica na região portuária representa extrair dos Jogos o melhor para a cidade do Rio de hoje e de amanhã.

Felipe Góes
Secretário Municipal de Desenvolvimento

Washington Fajardo
Subsecretário Municipal de Patrimônio Cultural, Arquitetura e Design

terça-feira, 14 de setembro de 2010

APAC SIM E PORQUÊ

As APACs - Área de Proteção do Ambiente Cultural – são um instrumento sofisticado de proteção de aspectos históricos do desenvolvimento urbanístico e arquitetônico, da paisagem construída e natural. De uma maneira inovadora, protegem conjuntos urbanos, ambiências, espaços públicos e relações sócio-espaciais. Contribuem de maneira decisiva para a atratividade e competitividade da cidade do Rio de Janeiro.
 Esse modelo complexo é facilmente compreendido no Centro do Rio: foi assim desde seu princípio, em 1984, com a criação do Corredor Cultural, assim como a proteção dos bairros de Santa Teresa e da Região Portuária. Mantiveram os edifícios mas também a população. De certo modo, uma APAC tem por finalidade proteger o carioca, como atributo de identidade, ao definir que partes do território da cidade tem uma função social e são significativos para a nossa manutenção como sociedade.
Em áreas muito valorizadas financeiramente, as APACs acabaram suscitando conflitos privados e públicos, coletivos e individuais, exatamente por mexer com definições de valor. O que tem valor? O terreno sob a construção, ou a arquitetura, e o design que ela representa (memória, identidade e inovação)? Financeiro ou cultural?
A capacidade de fixar valor de modo sustentável que uma APAC cria segue mesma lógica que determinará o sucesso das cidades, produtos, empresas e pessoas no século XXI:  a constatação que o final do século XX nos trouxe de que tudo é finito! Recursos, natureza, pessoas e território. Não teremos sempre território para expandirmos. Não é mais aceitável e responsável jogarmos para as gerações futuras o custo do aumento territorial da cidade. Este é um grande desafio por termos de aceitar nossa condição finita. Ou anti-moderna. A missão do solo urbano, principalmente nas regiões centrais da cidade, é aumentar sua capacidade de adensamento sustentável de pessoas, negócios, cultura e inovação. Por isso, o projeto do Porto Maravilha é tão importante.  
As APACs têm papel estratégico ao propor para nossa cidade um futuro mais harmônico tendo como exemplo o passado e permitindo que o futuro possa se apropriar dele. Promovem uma cultura urbana cidadã, baseada na memória da cidade, que, além de educar os cariocas de  hoje e amanhã, nos colocarão em patamar especial de competição entre cidades.
Nossa orientação hoje no Patrimônio Cultural municipal é avançar na busca e na implementação de novos estímulos à conservação pelos moradores, ajudando a eliminar algumas dificuldades que podem existir para proprietários “apacados”. É necessário que apoiemos o instrumento das APACs para inclusive podermos criar novos estímulos, resolvendo gargalos para a conservação de imóveis privados e criando uma cultura de patrimônio cidadão.
Com o objetivo de estimular a conservação, está prevista no substitutivo 3 do Plano Diretor a criação do Fundo Municipal de Conservação do Patrimônio Cultural, que permitirá aos proprietários ter acesso a financiamento público para conservar e recuperar seus imóveis protegidos. O fundo receberia parte de recursos de operações de outorga onerosa na cidade.
Deste modo, consolidaremos o papel das APACs como instrumento de valorização da condição urbana da cidade do Rio de Janeiro e posicionaremos a cidade em um patamar especial de cidadania.
APAC é memória e identidade. APAC é estratégia urbana. APAC é competitividade. APAC é carioca.
Washington Fajardo
Arquiteto e Urbanista
Subsecretário de Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design

o trem sub-urbano

ao longo da linha costuro:
cirzo o tecido esgarçado
de um velho casario

retalhos agonizantes
de uma trama
fios da rede (em) que se fiou

com olhos antigos
imagino
um tempo que já não é

o sol se põe
sobre o triste patrimônio
onde o silêncio se impõe...